terça-feira, novembro 03, 2009

O mote da oposição, apud FHC

Leiam dois comentários importantes no post sobre FHC, do Rui Daher e do João Vergílio Cutter (que coloco na sequencia). Depois, o editorial do Estadão e o artigo do Elio Gaspari, sobre o artigo de domingo do FHC por último

Somando-se tudo, chega-se aos pontos essenciais sobre o discurso de guerra de FHC. Antecipo aqui minhas conclusões, a partir da leitura dos quatro artigos – especialmente as observações do Rui e do João. Cada um que tire as suas conclusões:

1. FHC deu o tom para a oposição: o combate à República sindicalista de Lula. É um tema de forte apelo junto a setores institucionais; de escasso apelo junto aos eleitores. Arregimenta forças, não atrai votos. Portanto, a saída que propõe não é a do jogo eleitoral.

2. Como lembra o Gaspari, foi o mesmo mote levantado pela UDN em 1950, quando sentiu que não se poderia contrapor a Getúlio no plano popular.

3. O grito de guerra de FHC ganha relevância devido à própria fragilidade da oposição. Não há uma liderança com dimensão para contrapor um discurso propositivo. José Serra e Aécio Neves não conseguiram dimensão política para se contrapor a FHC.

4. A rigor, os aliados dessa empreitada serão grande mídia e algumas instâncias do Judiciário. No primeiro caso, a capacidade de escandalizar da mídia está reduzido. No segundo, sobressai a falta de limites de Gilmar.

E aí aparece o grande dilema nacional, que abordamos algumas vezes aqui: a enorme dificuldade de se construir uma oposição propositiva. A absoluta ausência de uma oposição competente, paradoxalmente, reforça o discurso da tomada do Estado por Lula, capaz de recriar novas cassandras.

A falta de uma oposição politicamente viável gera dois riscos: do lado da situação, a falta de um poder moderador; do lado da oposição, as tentações golpistas.

Rui Daher

Não, não, meus caros, o Gaspari não espinafrou o FHC, mas o reconstruiu. E é daí que a oposição pode tirar um programa sério para 2010. Que fosse, ao mesmo tempo, um projeto para o país. Apesar de ter divergido de todas as posições de FHC dos últimos anos, no artigo citado por Gaspari e na entrevista a Torres Freire, o “Farol” volta a pensar. E quando o faz, sem a vaidade e a dor-de-cotovelo por não ter visto Lula fracassar, não esqueçamos de sua bagagem. Ele descreve, e a coluna do Elio analisa seriamente, pontos essenciais para o nosso futuro. O que será de nós com um crescimento econômico acelerado, potência em futuro breve, sobre uma base esgarçada nos três Poderes da República, nos aparelhos de Estado e, pior, na sociedade civil? Percebe-se isso na mídia, que tanto favorece a oposição, mas que segue em apressada decomposição. Infelizmente, por mais que doa concordar, muitas das atitudes de Lula, sobretudo as mais recentes, ajudam nesse apodrecimento da base para crescimento. E, aí, o que menos interessa, é se FHC agiu da mesma forma, ou pior, no passado. Ele, finalmente, conseguiu pautar, e muito bem, a oposição. Para o bem ou mal, ela é tão incompetente que não seguirá a deixa dada por FHC. Nesse caminhar, seremos um país rico sobre uma base pobre e patética. E ao Blog cabe discutir isso com isenção.

João Vergílio G. Cuter

O artigo de Fernando Henrique mistura inessencialidades e picuinhas com uma crítica clara, que deve ser trazida à luz e analisada friamente. Jogue-se fora toda a parte inicial de seu texto – não se estará perdendo nada, a não ser retórica e hipocrisia. É no final, ao falar dos fundos de pensão, que seu discurso fica a um passo de ganhar consistência. O que ele está criticando, ali, é o aparelhamento dos fundos de pensão que tem no horizonte o financiamento de um projeto duradouro de poder. A justeza da denúncia teria que ser avaliada, mas sua verossimilhança está fora de questão. Ninguém pode, hoje, construir um projeto efetivo de poder no Brasil se não estiver em condições de incluir nesse projeto um esquema de cooptação e chantagem da iniciativa privada que tenha por finalidade o financiamento da política do espetáculo. É isso que explica a disputa por cargos nas estatais, é isso que explica as opções feitas à época das privatizações, e é isso que explicaria também (a ser verdadeira a denúncia) o aparelhamento dos fundos de pensão.

A oposição tem mais apego ao passado romântico do PT do que os próprios petistas. Queriam um partido neutralizado pela falta de recursos, arrecadando dinheiro em quermesses e cobrando dízimo dos que foram eleitos pela legenda. O que Fernando Henrique (e toda a oposição) não conseguem engolir é o fato de o PT ter percebido claramente a contabilidade do jogo político contemporâneo, e da necessidade de se caminhar “nos limites da irresponsabilidade” para conseguir equilibrar, com o dinheiro que entra hoje, os gastos que terão que ser feitos amanhã. É o que gosto de chamar de “banditização da política”. Nâo se trata mais de um fenômeno marginal, explicável pela ganância, ousadia e desonestidade individuais. É algo que transcende os personagens. É um dado estrutural. O sistema vigente força o político – qualquer político – a optar entre o desempenho de um papel um pouco ridículo e um pouco trágico de voz isolada e esperneante, ou abraçar um projeto efetivo de poder e utilizar instrumentos à disposição apenas nos limites da legalidade para financiar o trajeto.

Esse sistema pode ser tudo, menos disfuncional. Através dele, o político não tem como entrar em cena sem ter o rabo preso. Será sempre um refém das circunstâncias de seu próprio sucesso. Mais ainda, o sistema condena o debate político ao denuncismo cínico e irresponsável. Todos sabem onde o calo do outro mais doi – basta atentar àquilo que sente dentro de seu próprio sapato. Uma imprensa de baixíssimo nível, em geral incapaz de alçar vôos analíticos que ultrapassem muito os limites de uma crônica policial engalanada, completa regaladamente a paisagem. Aluga uma fantasia de vestal, e sai fazendo prédicas moralistas que são geneticamente incapazes de apontar para algo um pouco mais consistente do que uma espécie de “reforma dos costumes”. É nessa tolice que uma jornalista como Dora Kramer desperdiça diariamente seu estilo admirável.

Durante anos, o PSDB fustigou a idéia do financiamento público das campanhas em função de um cálculo sinistro. “Nós temos o grande capital ao nosso lado, e eles, não. Esse é nosso diferencial. Igualar as chances seria dar um tiro no próprio pé.” Agora, a coisa mudou. Seguindo o plano traçado por José Dirceu, o PT parece estar conseguindo montar seu próprio esquema, penetrando inclusive naquilo que os tucanos deveriam ver como uma espécie de “reserva de mercado”. É contra isso que Fernando Henrique está esbravejando.

O grande problema é que ele não está sonhando. Está falando de um problema absolutamente real. O problema é que fala pela metade, e não tem a grandeza de propor uma solução estrutural. Se tivesse essa grandeza, desempenharia um papel importantíssimo no avanço do país. Prefere desempenhar o velho papel do roto, exibindo todo o seu ressentimento para com o esfarrapado. A imprensa festeja, é claro. “Finalmente, temos oposição”. Não temos coisa nenhuma. Oposição teríamos se o discurso de Fernando Henrique fosse a sinalização de um novo caminho, e ela não é nada disso. Ela é apenas o discurso de alguém que gostaria de estar à frente na caminhada, e não atrás, atirando pedras.

Do Estadão

O “autoritarismo popular” de Lula

O venezuelano Hugo Chávez é um tipo rudimentar. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva não é. Chávez, que impôs ao seu país a reeleição ilimitada, diz não entender por que um presidente “que governa bem e tem 80% de aprovação” não pode disputar um terceiro mandato consecutivo, como se as regras da ordem democrática devessem variar conforme o desempenho dos governantes e os seus índices de popularidade. Lula, que, em parte por convicção, em parte por um cálculo do custo-benefício da aventura reeleitoral, recusou a possibilidade, acredita que pode chegar aonde quer por outros meios, mais sofisticados do que é capaz de conceber a mentalidade tosca do coronel de Caracas. Trata-se da criação de um novo e presumivelmente duradouro bloco de controle da máquina estatal, da manipulação desabrida de um sistema político desvitalizado e da exploração incessante do culto à personalidade do líder, para que a adulação da massa legitime os seus desmandos e intimide a oposição.

É a construção do que o ex-presidente Fernando Henrique denomina “autoritarismo popular” – um acúmulo de transgressões e desvios que “vai minando o espírito da democracia constitucional”, como adverte no artigo Para onde vamos?, publicado domingo neste jornal. Esse processo de erosão das instituições e procedimentos é tão mais temível quanto menos ostensivo e menos expresso em atos de violência política crassa, à maneira do que Chávez faz na Venezuela para quebrar a espinha da democracia no seu país. A lógica dos objetivos não difere – “a do poder sem limites”, aponta Fernando Henrique -, mas o método, no Brasil do lulismo, é insidioso. Por isso mesmo, “pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos”.

No interior do governo, Lula aninha uma burocracia sindical que se apropria sistematicamente do mando dos gigantescos fundos de pensão das estatais, os quais, por sua vez, têm assento nos conselhos das mais poderosas empresas brasileiras. Forma-se assim uma intrincada trama de interesses que se respaldam reciprocamente, não raro em parceria com empresários que conhecem o caminho das pedras – “nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas”, diz Fernando Henrique -, fundindo-se “nos altos-fornos do Tesouro”. Isso dá ao presidente um poder formidável sobre o Estado nacional que extrapola de longe as suas atribuições constitucionais. É uma espécie de volta, em trajes civis, ao regime dos generais. No trato com o Congresso, Lula faz os pactos que lhe convierem com tantos Judas quantos estiverem dispostos a servi-lo para se servirem dos despojos da administração federal, enquanto a oposição balbucia objeções que dão a medida de sua irrelevância.

“Parece mais confortável”, acusa o ex-presidente, “fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes.” Mais confortável porque mais seguro. São raros os políticos oposicionistas que não se deixam acoelhar pelas pesquisas de opinião que mantêm Lula nas nuvens e que o aparato de comunicação do Planalto, sob a sua batuta, não cessa de exacerbar – daí a pertinência do termo “culto à personalidade”. Desde a derrota de 2006, o PSDB de Fernando Henrique praticamente desistiu de expor as responsabilidades pessoais do adversário vitorioso pela autocracia em marcha no País. Os pré-candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves, por exemplo, medem as palavras quando falam de Lula, decerto receando que ele possa fazê-las se voltarem contra eles mesmos junto ao eleitorado que o venera. Mesmo na condenação à campanha antecipada da ministra Dilma Rousseff, a oposição parece comportar-se como se estivesse “cumprindo tabela”.

Lula não precisa tomar emprestada a borduna de Hugo Chávez para ditar os modos e os caminhos da evolução da política nacional. “Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados”, descreve Fernando Henrique, “eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições.”

ELIO GASPARI

FHC expôs o lado sombrio do poder petista

O ex-presidente disse para onde não se deve ir, mas o PSDB ainda não decidiu para onde quer ir

FERNANDO Henrique Cardoso está em grande forma. Num artigo intitulado “Para onde vamos?” mostrou que é a única voz articulada com coragem para acertar a testa de Nosso Guia. É um texto astucioso, chega a ter ginga. Apocalíptico e insinuante, tem a gravidade de uma Cassandra e a amnésia de personagem de novela barata.

Seu argumento central faz todo sentido: Lula está construindo uma teia de alianças e interesses que desembocará num “subperonismo”. O que vem a ser essa praga, não se sabe, mas ela junta o PT, sindicatos de empregados e de patrões, fundos de pensão, BNDES e triunfalismo. Essas seriam as “estrelas novas” às quais se abraçam “nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas”. O ex-presidente adverte para a formação de um novo “bloco de poder”, interessado num continuísmo que deve ser contido, pelo voto, “antes que seja tarde”.

As críticas pontuais do ex-presidente passam da dúzia e ele pode ter razão em quase todas. Em dois casos o professor chegou à verdade com o auxílio de lapsos da memória. Num, criticou a compra de caças pela Força Aérea. Logo ele, que comprou um porta-aviões. No outro, denunciou o poder dos fundos de pensão das empresas estatais e suas relações incestuosas com o governo e empresários-companheiros. Tem toda razão, mas quem deu forma a esse bicho foi ele, quando moldou e deixou que moldassem a engenharia financeira da privataria.

Em dois momentos o ex-presidente teve a infelicidade de comparar atitudes do atual governo com práticas do tempo do “autoritarismo militar”. Lula, com seus “impropérios” é capaz de “matar moralmente empresários, políticos (e) jornalistas”. O ex-presidente exagerou. Logo ele, que conheceu pessoas assassinadas sem advérbio. No seu esforço para tornar mais pesada a carga dos petistas, Fernando Henrique torna mais leve a mochila dos crimes da ditadura militar.

A alma dos receios de Fernando Henrique Cardoso está no que ele chama de “autoritarismo popular” (entre aspas no original, sem que se saiba por que). O que é isso, não se sabe. Trata-se de uma construção em cujo hermetismo está uma parte do seu significado. Referindo-se à democracia constitucional brasileira o ex-presidente informou que “esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente”. Faltou a palavra voto, mas tudo bem pois o ex-presidente jamais teve o pé no golpismo. Ganha um livro de discursos de Fidel Castro quem souber como se distingue uma “deliberação consciente” de outra, inconsciente.

(Os liberais de 1945 imolaram suas biografias no altar da ditadura de 1964. Pode-se dizer que o golpismo da segunda metade do século passado nasceu no dia em que os liberais da redemocratização perderam a eleição de 1950 para o ex-ditador Getúlio Vargas.)

O artigo de Fernando Henrique Cardoso chama-se “Para onde vamos?”, mas indica apenas para onde ele, com bons argumentos, acha que não se deve ir. Se o tucanato não souber dizer para onde se deve ir, o PT ganhará a eleição do ano que vem. Culpa de quem? De uma oposição que não se opõe? De um partido que não consegue ter candidato? Ou do povo, como em 1950?

Tudo o que foi dito acima só vale alguma coisa para quem leu ou vier a ler o artigo do ex-presidente. Passando-se no Google “Fernando Henrique Cardoso” e “Para onde vamos?”, chega-se a ele.

Domingo, Novembro 01, 2009

FHC lançou Manifesto do Dia de Finados

Para onde vamos?
por Fernando Henrique Cardoso*, no Zero Hora 01 de novembro de 2009

A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio “talvez” porque alguns estão de tal modo inebriados com “o maior espetáculo da terra”, de riqueza fácil que beneficia a poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?

Só que cada pequena transgressão, cada desvio, vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advenha do nosso Príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o país, devagarinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade, que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos.

É possível escolher ao acaso os exemplos de “pequenos assassinatos”. Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira “nacionalista”, pois se o sistema atual, de concessões, fosse “entreguista” deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental em uma companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem qualquer pudor, passear pelo Brasil às custas do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?

Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do “autoritarismo popular” vai minando o espírito da democracia constitucional. Essa supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os “projetos de impacto” (alguns dos quais viraram “esqueletos”, quer dizer obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Em pauta, temos a transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no orçamento e minguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo TCU. Não importa: no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: “Minha casa, minha vida”; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.

Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo “Brasil potência”. Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU – contra a letra expressa da Constituição – vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que tivesse se esquecido de acrescentar “l’État c’est moi”. Mas não esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender “nosso pré-sal”. Está bem, tudo muito lógico.

Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no “dedaço” que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições, sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são “estrelas novas”. Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.

Ora dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso, os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil, os fundos de pensão não são apenas acionistas – com a liberdade de vender e comprar em bolsas – mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou “privatizadas”. Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde.

*Ex-presidente da República

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