sábado, setembro 23, 2006

Na base da confiança

Quem disse que eu não falei delas -- as flores?

Não tenho postado muitas fotos, por acaso achei essa nos meus arquivos, e quis compartilhar. Uma amiga minha que também esteve na Alemanha contou que, passeando de bicicleta, passou por um campo de girassóis. No meio deles, um poste com uma latinha, uma faca e uma plaquinha: “Colha girassóis por 50 cents.” ou algo assim. Você pega a faca, corta alguns e deixa o dinheiro na lata.

Adoro esses sistemas “self-service” na base da confiança. No museu Pergamon, em Berlin, há alguns folhetos espalhados pelas salas, com detalhes sobre a exposição. E um aviso: “Por favor, deixe vinte centavos na caixa na saída do museu”. Mas não precisa ir tão longe – quando fazia faculdade de Cinema, costumava ir ao prédio da Psicologia, que era ao lado, comprar bolo de chocolate. Ele ficava em uma bandeja, com faca, guardanapo e uma caixa de dinheiro ao lado. Você deixava o pagamento, pegava o troco e se servia. Tudo na confiança – de que você vai pagar direitinho e não vai tocar no bolo com as mãos sujas...

Ah, essas flores não são da Alemanha, são de Valinhos, interior de São Paulo... Que tem uma terra incrivelmente boa, onde se plantando, tudo dá.

Aos que virão depois de nós




Bertolt Brecht (1898-1956)

Aos que virão depois de nós (só a primeira parte do poema)

Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?

Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra;

Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

Brecht foi um dos nomes mais influentes do teatro do século XX, não só pela criação de uma obra excepcional, mas também pelas inovações teóricas e práticas que introduziu. Sua influência, no entanto, não se restringe ao teatro, pois Brecht foi igualmente importante pelas novidades técnicas de sua poesia. Leia mais

quinta-feira, setembro 21, 2006

Adeus a Nykvist, mestre de sombras e focos


Morreu ontem aos 84 anos o fotógrafo de cinema Sven Nykvist, célebre por seus trabalhos com Ingmar Bergman em "Gritos e Sussurros", "Fanny e Alexander" - que lhe deram Oscar - e outros 12 filmes. Bergman é o grande cineasta que é porque para ele não há nada na tela que não tenha significado ou acrescente algo ao significado da cena, em especial as camadas de luminosidade. Nykvist conseguia a graduação de sombra que Bergman desejava, em que o preto era tratado como cor, não para estruturar a composição, mas para recobri-la com certa densidade, em algum lugar entre o espesso e o etéreo. Seu trabalho em "Persona" é meu favorito, um jogo estudado de focos sem o qual o filme perderia boa parte do sentido:



Nykvist fez também a fotografia de "A Insustentável Leveza do Ser", de Philip Kaufman, e de filmes de Woody Allen, especialmente "Crimes e Pecados", em que as cores levemente sombreadas e granuladas ajudam a sustentar o tom cético da narrativa.