quarta-feira, outubro 18, 2006

Faça sua fita cassete

Cassete

Com o Cassete Generator, do site Says-it.com, dá para criar imagens personalizadas de fitas cassetes, como a que fiz acima. Você digita o nome do artista, o nome da fita e uma linha com créditos. Escolhe a cor da fita e das letras e aperta "Go".
A imagem não fica gravada no site. Precisa ser copiada se você quiser enviar para outras pessoas. Também existe a opção para discos de vinil.

Site de busca em forma de mulher

Ms. Dewey

No lugar da interface simples do Google, o site Ms. Dewey usa uma atriz que comenta as palavras digitadas para interagir com o internauta. Seu nome vem do sistema decimal de Dewey, usado para catalogar livros em bibliotecas.
Quando o visitante não digita palavras, ela tenta chamar sua atenção, dizendo coisas em inglês como "olá, tem alguém aí?" e fingindo que bate no vidro da tela.
News.com.

Repensando as escolas

Educar não é fácil. Procurando escola para os filhos, as dúvidas assomam. Além de todas as diferenças de método, local, preço e estilo, há duas questões difíceis de responder em qualquer situação: 1) como identificar as aptidões e vocações de uma criança? 2) como formá-la para que desenvolva essas aptidões e vocações sem abrir mão do conhecimento consistente das outras áreas, cada vez mais interligadas no mundo atual?
Há crianças que dão sinais de seus talentos desde cedo, mas raramente são percebidos pelos pais e professores. Por quê? Em parte porque é complicado fazer associações que só muitos anos depois vão ser completadas (como saber que aquele menino que lê em alta concentração, tão absorto que é incapaz de ouvir uma bomba atômica no quarto ao lado, se tornará um escritor profissional?), em parte porque o mundo muda mais do que as pessoas imaginam (e aquela mãe que não entendia o gosto do filho ou da filha por moda ou gastronomia se surpreende com seu sucesso na idade adulta).
Há pessoas que não são competitivas por natureza, mas que podem amadurecer muito num ambiente competitivo. Há outras que simplesmente não suportam a pressão. Como saber em qual desses grupos está seu filho? Digamos que ele tenha uma inclinação para atividades criativas ou comunicativas (música, design, jornalismo etc.). Mas quem disse que uma boa formação em matemática e biologia não será muito útil até para que ele seja melhor profissional numa das áreas? Qual, então, a dose certa?
Nossas escolas, inclusive as caras, me parecem pouco preparadas para isso. Seu currículo é muito rígido, e quando há atividades extra-curriculares a sensação é a de que querem abraçar o mundo, lotando a "agenda" da criança. Falta sensibilidade para chegar ao mundo do aluno moderno, que retira cada vez mais valores e informações da internet e da TV, os quais só entram de viés nas salas de aula. A exigência está reservada para os horários e os uniformes, mas não para o aprendizado. É hora de repensar tudo isso.

domingo, outubro 15, 2006

Furtos alimentam o comércio informal

Metade dos roubos no varejo é para revenda, diz pesquisa da FGV-SP

O rapaz entra no supermercado e, poucos minutos depois, esconde uma garrafa de uísque na cintura. Passa por um corredor movimentado, retira lâminas de barbear da gôndola, finge que lê a embalagem e sai com o produto na mão. Quando se distancia dos outros clientes, coloca o objeto no bolso da jaqueta larga. Num piscar de olhos. Dali, segue para a seção de escovas de dente e repete o mesmo ritual. O produto termina na manga do casaco. Antes de sair do supermercado, ainda pega um creme para o corpo e um fio dental. A ação dura menos de dez minutos. “Para quem já trabalhou na área não tem mistério. Eu entro, não faço cena e saio rápido”, diz o infrator. “Eu sempre vendo uma parte e fico com alguns produtos para mim.”
A cena e o depoimento foram filmados por uma equipe de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Pela primeira vez um estudo sobre o tema procurou entender a fundo o comportamento do ladrão no varejo. Os pesquisadores entrevistaram 30 “profissionais” e gravaram 5 roubos, 4 deles simulados. O resultado é surpreendente: metade dos pequenos furtos no varejo é feita para revenda.
Trata-se de uma indústria que abastece, a partir de um trabalho de formiguinhas, a economia informal com pilhas, lâminas de barbear, cremes para o corpo e cabelo, protetores solares e bebidas, entre outros. “São produtos caros, que rendem uma boa margem do lucro aos ladrões. Eles sempre vendem por metade do preço de gôndola”, afirma José Bento Amaral Júnior, coordenador da pesquisa da FGV ao lado dos professores Juracy Parente e Ciro Leichsenring. “O resultado do roubo no Brasil é escancarado, está na cara da polícia, nos calçadões da Avenida Paulista. Isso não acontece nos outros países.”
O trabalho foi feito por encomenda de uma multinacional de bens de consumo e pelo instituto inglês Perpetuity Group. A pesquisa foi realizada em países onde o índice de informalidade é alto. “A indústria está preocupada com o problema nesses lugares. O prejuízo não é só para o varejo, mas também para as marcas, que são vendidas em bancas de camelôs a um preço bem menor”, diz Amaral.
Segundo os varejistas que participaram do estudo, as perdas variam entre 0,3% e 5% da receita. A média é de 1,38%, o equivalente à rentabilidade do setor. Desse total, 80% representam pequenos furtos, de acordo com Amaral.
Como se trata de um roubo profissional, os gatunos estão quase sempre à frente da parafernália de segurança dos supermercados. Eles têm métodos sofisticados de roubo e sabem como driblar as câmeras, os seguranças uniformizados e à paisana, as caixas acrílicas que protegem os produtos e os alarmes nas portas das lojas. “Enquanto a gente pensa no assunto 12 horas por dia, eles pensam 24 horas por dia. Eles vivem em função disso. O supermercado não”, diz Paulo Polesi, diretor de prevenção de perdas do Wal-Mart e presidente do núcleo de Etiquetagem de Origem, criado para coibir roubos no varejo .

SOB ENCOMENDA

Em geral, os ladrões que roubam com o intuito de revender agem de forma diferente dos gatunos por necessidade. Eles planejam o roubo antes e não levam comida, mas produtos caros, que, além de lucrativos, são fáceis de passar adiante. A freqüência de roubo é alta, outro sinal de profissionalização. Quase metade deles faz um ou dois furtos por semana e 17% vão de três a quatro vezes por semana.
Segundo a pesquisa, poucos são os infratores que têm contato com os receptadores. Menos ainda são os que vendem diretamente para eles. “Eles não sabem ou não quiseram definir exatamente que tipo de pessoa são”, diz Amaral.
Boa parte dos entrevistados na pesquisa entra em ação à noite. A maioria prefere lojas grandes. A ação, muitas vezes, é planejada. Os larápios entram no supermercado com a encomenda na cabeça. Alguns levam mais de quatro objetos de uma vez só. Quanto mais produtos, mais profissional é o furto.
Eles tentam agir naturalmente, como se fossem consumidores comuns. Para não dar bandeira, fazem questão de andar bem vestidos. “Eu passo no caixa, pago algumas coisas baratas e saio calmamente”, diz uma jovem infratora. “Tem sempre uma garota do lado de fora me esperando. Às vezes, descarrego a mercadoria e volto para a loja para pegar mais coisas. É uma máfia. Nós tiramos até R$ 300 por dia.”
Essa jovem usa a técnica da mochila cheia de papel, que não desperta suspeita por estar sempre com volume. Os gatunos usam roupas largas e escondem os produtos nos bolsos da calça, na cintura, na jaqueta, na manga do casaco e até colado nas axilas.

Em NY, IPTU caro banca escolas

Cidade cobra por distrito, modelo semelhante ao proposto em SP, mas tem serviço para refazer cálculo para descontentes

A proposta do prefeito Gilberto Kassab (PFL) de cobrar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), já em 2007, com aumento nas regiões mais valorizadas de São Paulo não é novidade em grandes metrópoles. Em Nova York, por lei, o imposto é determinado pela localização do imóvel desde os anos 70. Mas lá, o principal destino da receita é o investimento nas escolas públicas.
O IPTU nova-iorquino é calculado pelo valor venal do imóvel, determinado pela subprefeitura de cada área, e o que se chama de 'índice de localidade'. Ou seja, uma porcentagem sobre o valor do imóvel, que costuma ficar em torno de 1% a 2% e varia de acordo com o bairro em que está localizado. Em todo o Estado de Nova York, que inclui a metrópole, há 4 mil zonas de taxação diferentes.
'Não significa, no entanto, que os pobres paguem menos. Porcentualmente, podem pagar até mais', afirma o advogado americano Andrey Klinger, especialista em mercado imobiliário que atende clientes brasileiros em Nova York.
O cálculo não depende, simplesmente, da percepção sobre se esse ou aquele é um bairro rico, mas do orçamento local. Em Nova York, as finanças são descentralizadas para os distritos - espécies de subprefeituras - e a base de cálculo do IPTU depende do quanto é necessário para garantir a saúde financeira do bairro e para investir nas escolas da rede fundamental de ensino, a prioridade das prioridades.
Como em Manhattan, coração de Nova York, o valor dos imóveis é um dos mais caros do mundo e os gastos com salários (de professores, por exemplo) e demais serviços também são mais altos do que em qualquer cidade americana, o IPTU é um dos mais elevados do mundo. E representa cerca de um terço da receita municipal.
A cada ano, a subprefeitura revê os valores do IPTU, que pode mudar até mesmo de acordo com os gastos nas escolas. De acordo com uma lei de 1998, todos os moradores recebem, anualmente, a lista de propriedades no seu bairro e o valor calculado pela subprefeitura para cada imóvel, tanto do valor venal quanto da taxa de localidade. Se achar a cobrança injusta, o proprietário pode se queixar para um conselho local cuja única função é refazer os cálculos de IPTU.
Para Klinger, essa não é a forma mais justa de taxação, principalmente em uma cidade como São Paulo, onde não existem divisões geográficas tão claras. 'A mais justa é de acordo com o cálculo do valor real do imóvel, pura e simplesmente', diz.

Uma bomba e nenhuma saída

Em artigo escrito antes do teste nuclear realizado pelos norte-coreanos, o jornalista americano Robert D. Kaplan alerta para o arriscado colapso de uma tirania

Robert D. Kaplan*

A abreviação usada pelos oficiais militares americanos para Coréia do Norte diz tudo: KFR, “Kim Family Regime” (Regime da Família Kim). É um regime cuja demonização pela mídia e políticos americanos vem ocultando alguns fatos cruciais. O fundador da Coréia do Norte, Kim II Sung, não foi simplesmente um sombrio tirano stalinista. Como os desertores do seu país podem contar, ele foi também um popular líder guerrilheiro em luta contra o Japão. Tampouco o seu filho, Kim Jong-iI, tem alguma coisa do psicopata imaturo apresentado comicamente no filme Team America: World Police. É verdade que Kim Jong-il foi um playboy. Mas evoluiu e transformou-se num astuto dirigente. Andrei Lankov, professor de história na Universidade de Koormin, em Seul, Coréia do Sul, diz que, em outras circunstâncias, Kim poderia, na verdade, ter se tornado o bem sucedido produtor de cinema de Hollywood que a propaganda do regime afirma que ele já é.

Habilmente instruído por seu pai, Kim consolidou o poder e manipulou chineses, americanos e sul-coreanos, que o subvencionaram durante toda a década de 90. E Kim não é uma pessoa impulsiva; ele tem seus grupos de estudo que analisam qual a melhor resposta a possíveis ataques dos Estados Unidos e da Coréia do Sul - ataques que seriam, propriamente, reações a crises inteligentemente instigadas pelo governo coreano de Pyongyang. “O regime representa um bando extremamente racional de assassinos”, diz Lankov.

Porém, apesar de toda a sagacidade de Kim, há evidências de que ele pode estar perdendo sua força. E que podemos ter razões para nos preocupar: regimes totalitários próximos do fim tendem a entrar em pânico e agir irrefletidamente. Quanto mais frágil , mais perigosa a Coréia do Norte pode se tornar. A questão que determinará o equilíbrio de poder global na Ásia por gerações é: O que acontecerá quando a Coréia do Norte entrar em colapso?

O PESADELO PÓS-IRAQUE
Na península coreana, a Guerra Fria nunca terminou. Imediatamente após a guerra da Coréia, o Sul erigiu um mastro de bandeira de quase 100 metros; a Coréia do Norte respondeu com um mastro de 160 metros e colocou ali uma bandeira de aproximadamente 270 quilos. A Coréia do Norte construiu um prédio de dois andares na Área de Segurança Conjunta, em Panmunjom. A Coréia do Sul construiu um outro de três andares. A Coréia do Norte então acrescentou mais um andar. “É a terra onde impera a arte de um querer fazer melhor que o outro”, foi como um sargento do exército americano descreveu essa zona desmilitarizada. Certa vez, os dois lados realizaram um encontro em Panmunjon que durou 11 horas. Como não se chegou a um acordo formal sobre como seria a pausa para ir ao banheiro, nenhum dos lados mudou de posição. O encontro ficou conhecido como a “Batalha das Bexigas”.

Em outros países divididos - Vietnã, Alemanha, Yemen - as forças da unidade, no final, triunfaram. Mas a história sugere que a unificação não acontece por meio de um processo político gradativo em que os interesses de todas as partes são respeitados. Ao contrário, tende a acontecer depois de um cataclismo de eventos.

Como o exercito da Coréia do Norte, composto de 1,2 milhão de soldados, vem se concentrando em número cada vez maior na direção da fronteira sul-coreana, a península emerge potencialmente como o próximo pesadelo militar. Em 1980, 40% das forças de combate norte-coreanas estavam mobilizadas ao sul de Pyongyang; em 2003, eram mais de 70%.

Um fuzileiro naval em Okinawa disse-me que “o exército da Coréia do Norte não é uma força de terceira categoria ou do tipo convencional do Oriente Médio”. Esses asiáticos doutrinados, explicou grosseiramente, “resistirão e lutarão”. Isso ajuda a explicar porque a Coréia pode ser o mais lúgubre lugar do mundo para as tropas dos EUA. Quando viajei pela península, inúmeros oficiais militares me disseram que prefeririam estar no Iraque ou no Afeganistão do que na Coréia.
A ameaça vinda do norte da zona desmilitarizada é terrível. A Coréia do Norte exibe com alarde 100 mil soldados de operações especiais e um dos maiores arsenais de armas químicas e biológicas do mundo. Possui enormes reservas de antrax, agentes de cólera e pestes, e também oito fábricas de produção de agentes químicos. Se a infra-estrutura de governo em Pyongyang for desbaratada, o resultado pode ser uma anarquia generalizada (combinada com a mentalidade de guerrilha das forças armadas do “Regime da Família Kim”), com migração em massa dentro e para fora da Coréia do Norte. Em resumo, o potencial para a anarquia é similar ao do Iraque, e o potencial para a utilização de armas de destruição em massa, muito maior.

Como exemplo de caos, que parece estar emergindo na península coreana, podemos citar a Albânia, que durante anos foi o país mais anárquico da Europa oriental pós-comunista, salvo a Iugoslávia dilacerada pela guerra. Numa visita à Albânia antes do colapso do regime stalinista, vi bandos perversos de meninos de 8 anos atacando as pessoas. A Coréia do Norte estaria vivendo o mesmo fenômeno fora da sua capital-vitrina. Esta pode ser uma indicação do que se tem pela frente. De fato, o que aterroriza os sul-coreanos, mais do que os mísseis norte-coreanos, é o enorme fluxo de refugiados. Os chineses, por seu lado, também têm pesadelos ao imaginar isso.

Obviamente, seria temerário não se preocupar com as tecnologias da Coréia do Norte. Em junho, o país fez testes com sete mísseis. De acordo com dados dos EUA, três eram mísseis Scud-CS, e três No-dong-As, com um alcance entre 490 e 1.600 quilômetros; todos capazes de transportar uma ogiva nuclear. O terceiro tipo, um Taep’o-dong-2, alcança até 14 mil quilômetros, significando que poderia atingir o continente americano.

AS SETE ETAPAS DO COLAPSO
Demonstrar bravura com mísseis é sinal de fraqueza. Contrariamente à percepção popular, Kim não perde o sono preocupado com o que os americanos podem fazer contra ele. Sua preocupação é com a China. Ele sabe que os chineses sempre tiveram mais interesse na sua geografia - com saídas adicionais para o mar, próximo à Rússia - do que na sobrevivência a longo prazo do seu regime. Um dos principais objetivos de Kim ao mostrar agressivamente a capacidade bélica do seu país, é compelir os EUA a negociarem diretamente com ele, fazendo com que seu Estado enfraquecido pareça mais forte. E quanto mais forte Pyongyang aparentar, melhor se sairá nas negociações cruciais com Pequim. Para a consternação de Kim, porém, a resposta americana aos seus testes com mísseis foi de indiferença. Os pilotos das diversas esquadrilhas de caças foram avisados para não beberem muito nos dias de folga, pois poderiam ser convocadas, mas não passou disso.

A extinção da Coréia do Norte pode se prolongar. Robert Collins, suboficial aposentado e agora especialista na área civil do exército americano na Coréia do Sul, delineou as sete fases do colapso da Coréia do Norte: 1. Esgotamento dos recursos; 2. Fracasso na manutenção da infra-estrutura do país; 3. Ascensão dos feudos independentes controlados informalmente por “apparatchiks” de partidos locais ou senhores da guerra, juntamente com uma corrupção generalizada para enredar o governo falido; 4. Tentativa de supressão desses feudos pelo regime de Kim; 5. Resistência enérgica contra o governo central; 6. Fragmentação do regime; 7. Formação de uma nova liderança nacional.

A Coréia do Norte provavelmente atingiu a fase 4 em meados da década de 90, mas foi salva pelos subsídios recebidos da China e da Coréia do Sul e também dos auxílios para combate à fome dos EUA. Voltou à fase 3. Kim Jong Il aprendeu uma poderosa lição ao ver a queda do regime da Família Ceausescu na Romênia: assumir um total e completo controle do exército. Ele assim o fez.

COMO EVITAR OUTRO IRAQUE
Stephen Bradner, especialista civil na região e conselheiro do exército americano na Coréia do Sul, tem refletido muito sobre os problemas operacionais e táticos provocados pela Coréia do Norte no caso de uma fragmentação. Da mesma forma, o coronel Maxwell, chefe do comando das Operações Especiais dos Estados Unidos na Coréia do Sul. “O regime em Pyongyang pode cair sem que seu exercito e brigadas entrem necessariamente em colapso”, ele diz. “Assim precisamos preparar uma operação de assistência ao mesmo tempo em que conduzimos os combates.”

Maxwell conduziu outras operações similares antes: foi comandante do batalhão de Forças Especiais do exército dos Estados Unidos que aterrissou na Ilha de Basilan, nas Filipinas, no inicio de 2002, parte de uma missão que combinou assistência humanitária e operações de contra-insurgência contra Jemah Islamiyah e o Grupo de Abu Sayyaf, duas organizações terroristas. Mas a península coreana é mais vasta e mais desafiadora. “A situação no norte pode se tornar tão confusa e ambígua”, ele diz, “que um colapso da cadeia de comando do KFR poderia ser mais perigoso do que a preservação desse comando, especialmente quando se considera que eles têm o controle das armas de destruição em massa”. Os capacetes verdes e a CIA seriam os primeiros a se inserir, como aconteceu no Afeganistão em 2001.

Obviamente os EUA não podem, unilateralmente, introduzir suas tropas numa Coréia do Norte arruinada. Seria preferível que se estabelecesse uma força de intervenção de quatro poderes - Estados Unidos, China, Coréia do Sul e Rússia -, oficialmente sancionada pelas Nações Unidas. Enquanto a posição estratégica do Japão seria dramaticamente debilitada por um estado norte-coreano em colapso, a China se beneficiaria com isso. Uma península norte-coreana pós-KFR poderá ficar mais ou menos sob controle de Seul - e a China hoje é a maior parceira comercial da Coréia do Sul.

Naturalmente, a Coréia do Sul deverá arcar com o peso da ruptura social e econômica quando a península retornar à normalidade. Nenhuma autoridade diz abertamente, mas a Coréia do Sul - juntamente com os demais países da região - tem pouco interesse numa reunificação, a menos que ela ocorresse gradativamente durante anos ou décadas. O melhor resultado seria um protetorado sul coreano em grande parte da região norte, oficialmente sob uma administração internacional chancelada pelas Nações Unidas, que manteria as duas Coréias funcionalmente separadas por um bom período. Isso daria tempo para cada país se preparar com vistas a um estado coreano unificado, sem o conseqüente caos.

SE A CORÉIA DO NORTE ATACAR
Não é provável que isso aconteça hoje, embora fosse possível há duas décadas, quando Kim il Sung comandava um estado mais forte e as forças armadas sul-coreanas eram menos experientes. Mas o Coronel Maxwell e outros estão preparados para essa possibilidade.

Um simples passeio por Seul, uma das maiores e mais congestionadas megacidades do mundo, deixa claro que um ataque de infantaria convencional sobre a capital sul-coreana é alguma coisa que nem um louco pensaria. Assim, se a Coréia do Norte atacasse, seria provavelmente como último recurso e não uma demonstração de “susto e pavor”, usando suas 13 mil peças de artilharia e os seus lançadores de múltiplos foguetes, lançando mais de 300 mil bombas por hora contra a capital sul-coreana, onde vive quase a metade da população do país, de 49 milhões de pessoas. O massacre generalizado que isso causaria seria amplificado pelas forças de operações especiais da Coréia do Norte, que se infiltraria no Sul para sabotar reservatórios de água e terminais ferroviários e rodoviários. Ao mesmo tempo, o exército popular norte-coreano marcharia em direção à cidade de Uijongbu, ao norte de Seul, e a partir dali cruzaria o Rio Ham, desviando-se de Seul em direção ao leste.

Essa estratégia, porém, seria um fracasso. Ao mesmo tempo que os Warthogs A-10 , os Vipers F-16 e outros aviões de caça destruiriam as baterias de mísseis inimigas, matando muitos soldados norte-coreanos dentro da Coréia do Sul, mísseis lançados por submarinos e bombardeiros Spirit B-2 enviados de Guam e da Base da Força Aérea em Missouri, se apoderariam de ativos estratégicos dentro da Coréia do Norte. Nesse intervalo, o exército sul-coreano rapidamente ocuparia os centros de transporte e ao mesmo tempo acionaria suas próprias divisões e forças de operações especiais contra o exército popular norte-coreano. O KFR sabe que, qualquer invasão, teria que ser a decisão de um regime nos seus últimos estágios de desintegração. A única esperança da Coréia do Norte seria que a contínua carnificina levasse a esquerda sul-coreana, apoiada pelas Nações Unidas e por elementos da mídia global, a clamar por uma iniciativa diplomática e um acordo negociado como alternativas à violência. E não há dúvida, a violência poderá ser terrível. Iraque e Afeganistão seriam quase que uns inocentes em comparação. Uma Coréia do Sul ocupada por tropas norte-coreanas seria um ambiente rico de alvos, onde bons e ruins estariam sempre lado a lado. “Um belo caos!”, foi como o piloto de um Viper F-16 qualificou o cenário. “A derradeira névoa da guerra”. O campo de batalha se tornaria mais confuso ainda devido às barreiras de lingüagem que existem entre os pilotos americanos e os JTACs sul coreanos (controladores de ar para táticas conjuntas), que precisariam conduzir os americanos a muitos dos seus alvos. Os pilotos dos F-16 e dos F-10 na Coréia do Sul queixaram-se para mim de que essa fragilidade no relacionamento militar bilateral pode provocar casos de fogo amigo e mortes civis paralelas.

E AGORA, TENENTE?
Acontece que os militares americanos de médio e alto escalão estão menos preocupados com um ataque indiscriminado da artilharia e mais com um direcionado. Minhas fontes disseram que tiveram medo que após os lançamentos de mísseis pelo KFR em julho, o governo Bush pudesse ser louco o suficiente para reagir militarmente, que poderia ser exatamente o que Kim Jong Il esperava, já que permitiria que ele alcançasse seu principal objetivo estratégico: romper a aliança entre Coréia do Sul e EUA. Como isso aconteceria? Depois que os Estados Unidos reagissem aos lançamentos de mísseis ou qualquer outro ataque futuro, o Norte iniciaria uma intensa barragem de artilharia, que duraria de 5 a 10 minutos, contra Seul, matando alguns americanos e sul coreanos perto da Guarnição Yongsan (Montanha do Dragão), que é uma área protegida onde se encontra a principal base militar americana, no centro da cidade. Depois o ataque cessaria. E cessando os ataques, viria a questão proverbial entre os oficiais americanos: E agora, tenente?

Politicamente, os EUA ficariam em situação difícil. A esquerda sul-coreana, que se tornou poderosa diante da presença bastante intrusiva das tropas americanas e por décadas de manipulação do Norte, acusaria os EUA pela carnificina em Seul, ressaltando que foi provocada pelos ataques direcionados pelos americanos contra a Coréia do Norte. As Nações Unidas e a mídia global também acusariam sutilmente Washington pela crise e exigiriam, não tão sutilmente, que se iniciassem conversações de paz. Com isso o KFR ganharia nova vida com novas ajudas humanitárias da comunidade internacional.

Essa é a razão pela qual os especialistas civis e militares com quem conversei defendem uma guerra econômica contra o Norte. Deixando de ajudar o regime por meio da assistência humanitária, eles dizem. A população norte-coreana está faminta há décadas. As florestas estão nuas. As pessoas comem as cascas das árvores. Deixemos de prolongar a agonia. Vamos colaborar para o colapso do regime.

Naturalmente, um problema estratégico é que isso pode acabar fazendo com que a pior das opções militares seja a mais provável. Como foi observado, regimes como o da Coréia do Norte, nos seus estágios finais antes de um colapso, costumam se comportar irresponsavelmente. Outro problema é que não se pode fazer muito mais para pressionar economicamente a Coréia do Norte. É a China, e não os Estados Unidos, que está na verdade mantendo o regime vivo.

APÓS A REUNIFICAÇÃO
Se a península se estabilizar após o colapso do regime norte-coreano, esta Grande Coréia contará imediatamente com um inimigo incontestável: o Japão. Qualquer político coreano será capaz de subir ao parlamento e formular um longo discurso contra o Japão. Os japoneses sabem disso, o que, aliás, está ajudando a estimular a sua remilitarização. Em julho surgiu uma controvérsia que quase provocou uma guerra entre Tóquio e Seul, envolvendo as disputadas ilhotas que os sul-coreanos chamam de Tokdo e os japoneses de Takeshima e que ficam no que os coreanos chamam Mar do leste e os japoneses, Mar do Japão. Duras palavras foram trocadas depois que a Coréia do Sul enviou um navio de fiscalização para a área. Os Estados Unidos, historicamente, costumam menosprezar disputas que envolvam história ou etnia. Nos anos 90, não deu suficiente atenção para as tensões étnicas na Iugoslávia. Mais recentemente, errou ao minimizar as tensões entre xiitas e sunitas no Iraque. Não deveriam cometer o mesmo erro na Ásia.

A reunificação trará pelo menos um benefício para o Japão. Como me explicou Park Syung Je, analista do Instituto Estratégico da Ásia, em Seul, uma Grande Coréia unificada poderá servir de contrapeso a uma ameaça mais significativa contra o Japão, que vem da China. Mas esta Grande Coréia seria ainda um elemento primordial na esfera de prosperidade econômica asiática. Os EUA poderão ser afastados. Embora os empresários coreanos resistam ao domínio econômico da China, o antiamericanismo persistente na Coréia do Sul pode enfraquecer essa resistência - especialmente quando a geração que ainda lembra dos sacrifícios dos soldados americanos durante a década de 50 desaparecer completamente. A forte presença de soldados americanos na região garantiu que a Coréia tivesse uma sociedade livre, da mesma forma que a presença americana ajudou a Alemanha a se transformar numa sociedade livre. Mas as gerações mais jovens de sul-coreanos poderão ter lembranças apenas negativas dos soldados americanos - e o que mais se inscreve na memória nacional coreana é o apoio americano à ocupação japonesa da Coréia, após a guerra entre Rússia e Japão, em 1904 e 1905 (em troca do apoio do Japão Imperial à ocupação americana das Filipinas, alguns anos antes).

No final, o relacionamento da Grande Coréia com a China poderá ser determinado pelo comportamento americano, e especificamente pelo que os EUA conseguirão do Japão no sentido de ele reconhecer sua culpa na guerra. Se Washington continuar mantendo sua aliança militar com Tóquio sem que o Japão publicamente se reconcilie com seu passado, a Grande Coréia deverá, psicologicamente, se direcionar para a China.

As demonstrações de amizade do Presidente George W. Bush para com o primeiro ministro Junichiro Koizumi em Graceland (residência do presidente) podem ter sido bem recebidas nos EUA, porém na Coréia do Sul foram consideradas um insulto por causa da visita de Koizumi ao santuário de Yasukuni, erigido em homenagem aos soldados japoneses mortos na guerra, incluindo criminosos de guerra. Se os EUA continuarem a tratar o Japão como um enteado de ouro, então a China e seu aliado implícito, a Grande Coréia, continuarão a manter um relacionamento tenso com o Japão e seus aliados implícitos, EUA e Índia. Mas tendo em vista seus muitos interesses comerciais na China, os Estados Unidos devem agir muito delicadamente com relação à China.

A CORÉIA DO NORTE E O FUTURO DA ÁSIA
Antes de deixar Seul, encontrei-me com um militar que é uma lenda local. O general aposentado Paik Sun Yup, hoje com 86 anos, foi comandante da 1ª Divisão de Infantaria durante a guerra da Coréia e trabalhou junto com o general MacArthur. Quando conversamos, Paik insistiu que as decisões político-militares adotadas em função da crise é que, no final, determinarão o equilíbrio de poder por toda a Ásia, a mais importante região para a economia mundial. “Esta península é de importância crucial”, ele me disse.

Mas a Coréia do Sul também nos oferece uma lição sobre o que pode ser realizado com paciência e persistência. A capital sul-coreana foi tomada e retomada quatro vezes em alguns dos mais intensos combates durante a Guerra da Coréia. Homens e mulheres coreanos que viveram nesse período sempre serão gratos pelo que o aposentado coronel do exército americano Robert Killebrew chamou de de “perseverança” americana, sem a qual teríamos poucas esperanças de continuarmos sendo uma grande potência.

Os EUA esperam completar uma redução de tropas na Coréia do Sul em 2008. Tendo se transferido para a Guarnição Yongsan quando o futuro da Coréia parecia muito incerto, as tropas americanas planejam ceder esta excelente propriedade e se estabelecer em Camp Humphreys, em Pyongtaek, a cerca de 50 quilômetros ao sul. O número de tropas de campo será reduzido a 25 mil e abrangerá essencialmente uma estrutura de centros de apoio logístico que estarão capacitados a desenvolver músculos e tendões na forma de uma grande força de invasão, na eventualidade de uma guerra ou um colapso do regime que necessite uma intervenção militar.

Paciência e uma persistência obstinada são atributos heróicos. Mas enquanto se espera que as unidades militares se tornem heroínas, não devemos esperar que isso seja assim para sempre. E embora, com o passar do tempo, paciência e persistência obstinada possam gerar o sucesso, é o tipo de sucesso que não irá recompensar necessariamente o vitorioso mas, ao contrário, o protagonista que for mais capaz de tirar proveito da nova situação. É muito cedo para dizer quem, no final, se beneficiará de uma Mesopotâmia estável e próspera, se um dia ela surgir. Mas no caso da Coréia, aparentemente serão os chineses.

* Robert D. Kaplan é escritor e jornalista da Atlantic Monthly. Colaborador dos principais jornais dos EUA, é um dos maiores correspondentes internacionais do país